As Bruxas de Salem e a Psicologia

As Bruxas de Salem e a Psicologia

Texto de Mariane Manske Oechsler

A Colônia da Baía de Massachusetts (América do Norte), Salém (hoje cidade de Danvers), em 1692, vivenciou a condenação à morte de várias pessoas, acusadas de feitiçaria. Fonte temática para o teatrólogo Arthur Miller, em 1953, escrever e encenar a peça The Crucible (traduzida como As bruxas de Salem). Uma analogia entre a injustiça cometida em Salem, com a perseguição durante o período do Macartismo (1940-1950), duramente criticada no início, em seguida aclamada pelo relato da política dos Estados Unidos na década de 1950. Posteriormente adaptado para o cinema em 1957 e readaptado em 1996 (BRUXAS, 2008; WIKIPÉDIA, 2008).

O filme retrata a vida neste vilarejo, sua colonização rústica e exaustiva. A Igreja Puritana, como a única Lei, a quem todos deviam honrar. Algumas adolescentes são flagradas em um ritual religioso, resultando estado de choque em Elizabeth Parris, filha do reverendo Samuel Parris. O médico local, William Griggs, incapacitado de curar a adolescente, declarou que os demônios a haviam possuído, e que somente a reza poderia salvá-la.

As adolescentes ficam abaladas, e Abigail Williams, que guardava uma mágoa secreta por Elizabeth, esposa de John Proctor, acusou uma escrava negra, Tituba, de práticas de feitiçaria. Em virtude da crença da época, e pouco esclarecimentos dos fatos que não tinham domínio, o povo cria que as dificuldades que estavam passando deviam-se ao fato do diabo estar rondando o povoado, fato que ganhou forças com este relato. Diante das autoridades locais, Tituba confessou suas práticas, mas para livrar-se da forca, pediu libertação do Demônio. Desta maneira também se comportou a jovem Abigail, acusando outras pessoas do povoado de envolvimento com feitiçaria. Bastou para que as outras adolescentes atormentadas pelo medo e culpa, também repetissem o comportamento de Abigail.

O clima de pânico e desconfiança instalou-se, e todo aquele que contrariou os costumes locais ou estava em desacordo com o veredicto, foram acusados de feitiçaria. E os acusados que não confessaram o seu envolvimento com bruxaria, condenados a forca. Mais de vinte pessoas do povoado foram mortas pelas acusações de feitiçaria e outras trezentas acusadas, esperavam julgamento. A caça as bruxas, tinha a intenção de limpar o vilarejo desta leviandade. As adolescentes, puras pela sua situação de criança, prática pregadas pela crença e valores culturais, consideradas vítimas, portanto suas acusações tinham “peso de verdade absoluta”.

Suas manifestações ocorriam de maneira coletiva, principalmente quando se sentiam desafiadas, enfraquecidas ou enraivecidas. Somente quando a elite começou a ser ameaçada, é que se deu um basta na situação. E assim como iniciaram, rapidamente terminaram as manifestações tidas como demoníacas.

CRITICA

Para uma melhor compreensão do desenrolar deste acontecido, se faz necessário considerar fatos históricos, sociais e culturais vivenciados. A medicina via-se limitada aos conhecimentos básicos e poucos recursos. O Direito, subjugado pela Igreja, utilizava a ferramenta da humilhação pública para punir os fiéis. Permitindo que mesmo sem provas concretas sobre a prática de bruxaria, pessoas fossem condenadas. O julgamento se baseava nos relatos das possíveis vítimas, visto que os acusados não tinham como provar sua inocência. A lei era regida por uma Igreja Puritana, que sobrepunha os seus interesses de domínio acima da razão, movida pelo moralismo de suas crenças. A igreja exercia grande pressão repressora de comportamentos, tidos como não lícitos, tais como danças, expressões e fantasias sensuais.

Muitos acreditavam em bruxas ou feiticeiras. Tornando aceitável que aquilo que estava em desacordo com o que a sociedade considerava correto, só poderia ser causado pelo demônio, fortalecendo esta histeria coletiva. Por falta de conhecimento das práticas atuais; a repressão e tensões épicas; sentimento de culpa, vergonha e medo; conflitos sociais, culturais e de gerações; manipulação e abuso de poder; brincadeira de criança; e vingança, somados ou individuais, foram ingredientes propulsores do comportamento inescrupuloso do povo e dos dirigentes de Salem.

As mulheres sentiam, agiam, se reconheciam e eram reconhecidas como bruxas, somente porque existia uma crença em bruxaria, sem crença, não haveria bruxa, pode-se considerar uma intersubjetividade. A sedução do poder, o comportamento em grupo, o medo e a histeria, podem ser estudados pela Psicologia. A constante busca de um culpado, quando a crença de que pecado gera desgraça, tudo que acontece de ruim ou dá errado, pressupõe-se uma ligação com castigo. Isto é, está longe da Igreja e de Deus, portanto pertence ao Diabo. Esta pressão repressora de sentimentos hoje cientificamente reconhecidos como biologicamente normais, geravam sentimentos de culpa e medo.

Desconhecer a naturalidade do desenvolvimento do corpo, e reprimir as sensações, pode causar confusão psicológica e desarranjo das estruturas psíquicas, que segundo Freud, canalizam as pulsões, quando reprimidas, sendo deslocadas para outras expressões. O que permite uma interpretação destas manifestações tidas demoníacas, como expressão de desejos primitivos reprimidos, deslocados e socialmente mais aceitos. De pecadora passa a ser vítima, ou até detentora de poder. A sedução do poder, por mais cruel que possa parecer, pode ter se manifestado nas crianças, no clero, nos magistrados, e nos próprios colonizadores. A religiosidade e a fé são pilares para esta sociedade.

O comportamento inicialmente histérico da jovem Abigail, somado com a crença das adolescentes em bruxarias, pode ter aflorado sensações, induzidas pelo medo e preconceitos religiosos. A coletividade das reações das adolescentes inicialmente sugere uma farsa, mas com o transcorrer das situações e os reforços recebidos, parecem incorporar e agir inconscientemente no grupo das adolescentes. Todo o contexto ambiental, cultural, social e econômico, propicia uma inter relação grupal.

Moreno, estudou a expressão de emoções, sentimentos e fantasias em grupos, aprendizagem de papéis e o desenvolvimento de redes relacionais, como transformadores do desenvolvimento social e pessoal do ser humano. A utilização de relações télicas, permite percepções do Protagonista e do grupo, do significado dos papéis assumidos, vivenciado em Psicodrama. Este envolvimento télico, segundo Moreno, é inato ao ser humano, mas reprimido ao longo do tempo, que pode ser aprimorado, destacando a espontaneidade, criatividade e a sensibilidade. A espontaneidade é a capacidade de responder adequadamente à situação, diante do novo, transformando seus aspectos insatisfatórios. Inconscientemente, promove mudanças no ambiente, pensa e age em razão de relações afetivas, implicando manifestação da criatividade.

“Tele” definida como capacidade de perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa entre as pessoas, e uma percepção interna mútua entre dois indivíduos. Este fator, fortemente observado no enredo das Bruxas de Salem. Sensibilidade, criatividade e fator Tele, interligando as adolescente, e consequentemente a comunidade ao seu redor, podem ter sido experimentados numa expressão de liberdade de fatores repressores sociais.

Segundo Pichon, um grupo operativo é resultante da interação entre as pessoas, com objetivo comum, destacando o vínculo e a tarefa. O vínculo compreende a presença sensorial corpórea e o produto inconsciente desta interação. A motivação, ou a mútua representação interna, representa o estabelecimento do vínculo. Que no filme pode ser representado pelo segredo que as adolescentes mantinham, e necessitavam proteger-se mutuamente, passando então a reformular o senso norteador de seus comportamentos em comprometimento e unidade. Tanto as adolescentes, como os dirigentes, fortaleciam-se na necessidade de eliminar o “Mal”, cada qual, da sua maneira, agindo de forma a atingir o objetivo em comum, a meta.

Pichon evidencia que mudanças em um grupo envolvem dois medos básicos: da perda e do ataque. Estes muito bem apresentados no filme, quando a adolescente Abigail é confrontada, e sente a possibilidade de perda, inicia um processo de ataque aos seus inquisitores. Esta história não representa um grupo operatório, segundo as definições de Pichon, mas coincidem com alguns de seus conceitos de interação, vínculo, tarefa, pertença e comunicação. De espectadores à protagonistas, os membros do grupo, assumem o desenvolvimento da tarefa, unidos afetiva e emocionalmente. A força que um grupo tem de incidir sobre uma causa, é equivalente ao seu engajamento e vínculo.

Ciente que a linha que divide a razão da loucura, o certo do errado, muitas vezes é tênue, e diverge segundo o ponto de vista, cabe um alerta a todos que de uma maneira ou outra são detentores de poderes. Considerar o fato ambiental, social, histórico, cultural, econômico e emocionalmente, despir-se de preconceitos, estudar detalhadamente cada situação, pode resguardar de uma decisão imatura e prejudicial.

É possível crer que, segundo os estudos de Moreno, o fator Tele, inconscientemente tenha influenciado nesta irracionalidade brutal cometida pelas adolescentes, pelos dirigentes e pela comunidade local. O que serve para construir, também pode servir para destruir, evidenciando a impotência do homem para a racionalidade. Silverman (2008) destaca uma histeria coletiva, em 600 meninas no México em 2007.

Um distúrbio psicogênico em massa, também conhecido como histeria coletiva, reação psicossomática ou histeria em massa, foi diagnosticado. Seu aparecimento é misterioso, sem causa aparente. Espalham-se quando existe medo de exposição a uma doença, associado ao estresse e ao isolamento. Pode ser considerado resultante do efeito nocebo, oposto ao efeito placebo. Pensamentos e associações ruins produzem resultados negativos. A mente influencia a forma como as pessoas sentem as coisas. Esta influencia, associada a um ambiente estressante e fechado do internato das meninas do México, pôde provocar falsos sintomas e espalhar-se rapidamente. Neste caso, as meninas retornaram para casa, e melhoraram. São sintomas diversos, desde dificuldade para andar, febre, náuseas, ataques, desmaios, espumar pela boca, alergias. Doenças misteriosas, que apresentam sintomas reais sem causa aparente.

A ciência ainda está estudando estes casos, mas o importante é saber que não temos total controle sobre o nosso corpo, e que a psique exerce grande poder sobre o nosso físico. Desta maneira também é possível lançar um novo olhar para a história das adolescentes em Salem. O que realmente ocorreu? Não sei se um dia poderemos com exatidão mensurar todos os fatores causadores daqueles acontecimentos.

Texto elaborado em período acadêmico por Mariane Manske Oechsler

REFERÊNCIAS:BRUXAS DE SALEM. Disponível em: http://www.internext.com.br/valois/pena/1692.htm. Acesso em: 27 nov. 2008.SILVERMAN, J. Por que 600 meninas no México sofreram de histeria coletiva? Traduzido por HowStuffWorks Brasil. Disponível em: <http://saude.hsw.uol.com.br/histeria-coletiva.htm>. Acesso em: 27 nov. 2008.WIKIPEDIA. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/As_Bruxas_de_Salem>. Acesso em: 27 nov. 2008.

Por: mariane