Quebrou! E agora?

Quebrou! E agora?

O que normalmente você faz quando uma peça de decoração ou utensílio doméstico estraga ou quebra? Ou quando na ação de restauro, esta peça perde sua função original? O que você pensa sobre esse assunto?

Faz muito tempo que descobri na minha identidade o gosto pelo restauro. Pela criação, pela ressignificação de objetos que seriam descartados. E hoje, em uma pequena reflexão, percebi o quanto  este comportamento, intrínseco, já vinha modelando a profissional que sou hoje. Auxilio a ressignificar vidas.

Uma escolha, reforçada por demandas circunstanciais, e que também refletiu na minha identidade ressignificada. Além das peças criadas, restauradas ou ressignificadas; a literatura poética e até mesmo imaginaria de contos e metáforas, acompanham minha jornada de Ser em construção.  Assim sendo, a imagem que tem me acompanhado nos últimos dias é a do Vaso Chinês restaurado.

A peça de porcelana (frágil) unida por cordão de ouro (força) tem um encantamento quase magico no meu mundo perceptivo.  Por meio da psicóloga Karina Fukumitsu em seu livro “A vida não é do jeito que a gente quer” (p.216),  pude conhecer a origem filosófica da técnica japonesa Kintsugi ou Kintsukuroi:

  • “(…) é uma técnica japonesa de restauração de cerâmica. Diz-se que tudo começou com o shogun Ashikaga Yoshimasa que enviou para a China, para que lá fosse consertada, uma peça de cerâmica que havia quebrado. Mas, quando a peça retornou o reparo era tão feio que ele pediu que artesãos japoneses refizessem tal restauração. Foi então que os artesãos, imbuídos do espírito zen budista de mushin, desapego e aceitação, consertaram a peça utilizando uma mistura de laca e pó de ouro. Na cultura japonesa, as peças que recebem esta reparação comumente são mais valorizadas que as que estão intactas. Isso por que sua estética trabalha mais com questões como a transitoriedade e a impermanência do que com a beleza propriamente dita. Ao invés de se envergonhar pelas “feridas” expostas, eles as embelezam para que sejam uma celebração constante da vida cotidiana. Dos pequenos e grandes erros que cometemos e da possibilidade que temos de aprender com isso”.

A técnica recebe o nome de Kintsugi, também conhecida como Kintsukuroi, que provoca a reflexão sobre o processo de resgatar os fragmentos que são feitos em nossa existência e para auxiliar as pessoas na compreensão de que devemos suspender as ideias de sermos perfeccionistas, conforme enfatiza Karina.

A definição de  Kintsugi ou Kintsukuroi pela literatura geral é destacada como “A arte japonesa de aceitas suas imperfeições e encontrar a felicidade” ou  “A arte de encontrar  força na imperfeição”. Todas abraçam a ideia de usar as feridas e/ou falhas como uma força motriz de crescimento, e isto é realmente encantador.

Com referência a técnica japonesa Kintsugi o psicólogo e escritor Tomás Navarro faz um paralelo com a filosofia de vida destacando a “importância de sermos resilientes perante as adversidades da vida e sobre como as cicatrizes deixadas pelas dificuldades do dia a dia nos tornam, de alguma forma, mais bonitos, sábios e preparados para enfrentar o mundo”.

O reparo de peças de cerâmica quebradas, destacando as fissuras com ouro ao invés de escondê-las é destacado pela autora Celine Santini sobre o Kintsugi como  uma filosofia segundo a qual não se deve esconder erros e fracassos. Utilizando a metáfora do Kintsugi – a arte japonesa de encontrar força na imperfeição, sobreviver e voltar ainda melhor. A simbólica prática da cura e resiliência, ressignificação, que vai  além do simples conserto. Envolve o tratamento e a celebração, o objeto quebrado assume seu passado, tornando-se mais resistente, belo e valioso do que antes do trauma. Num paralelo com a vida: o amadurecimento que ocorre após a superação de uma dificuldade. Aprender a cuidar das suas feridas, transformar suas linhas de fissura em marcas de força e os cacos em lembranças edificantes como destaca Santini.

Outros escritores citam a cultura japonesa como referencia para a valorização de consertar um objeto quando quebra, pois acreditam que não perde o seu valor. Ao ser consertado, o objeto torna-se único e especial, passando a valer mais do eu antes.

Referências:

FUKUMITSU, Karina Okajuma. A vida não é do jeito que a gente quer. São Paulo. Digital Publish & Print, 2016.

NAVARRO, Tomás; et all. Kintsugi: A arte japnesa de aceitar suas imperfeições e encontrar a felicidade. Editora Benvirá, 2018.

SANTINI, Celine. Kintsugi: A arte japonesa de encontrar força na imperfeição. Tradução: Andre Telles. Editora Planeta, 2019.

Por: mariane