Vida em movimento
Atividade vivencial elaborada em processo psicoterapêutico.
Materiais disponíveis: cartolina, borrifador de água, anilina de diversas cores
Proposta: Em uma cartolina umedecida com água, fazer respingos aleatórios com a anilina sem ferramenta da apoio. Disponibilidade do tempo a critério do cliente.
Descrição significativa do processo: “Iniciei com o verde – cor que gosto. Ele se apresentou aguado, ficou um fundo aquarelado. A segunda cor escolhida foi o lilás, surpreendeu, pois sua consistência estava mais espessa, exigiu um movimento diferente. A seguir vieram as outras cores como laranja, amarelo, azul, vermelho*”. Durante o processo as cores foram se movimentando, algumas se encontraram. Ao final da atividade, a paciente fica feliz com o resultado “vou emoldurar”.
Importante observar que houve momentos distintos:
A) Aceitar o desafio de algo desconhecido. Confiar. Se permitir. Estar disponível. Estes aspectos são muito importantes para o processo de psicoterapia evoluir.
B) Percepção do Meio e diferenciação dos elementos. A fluidez das anilinas apresentou concentração diferente, consequentemente, resultados diferentes. “Quando joguei a segunda tinta e percebi que estava diferente, mudei a forma de lança-la”. Este movimento além de demonstrar contato com os elementos – senso percepção ativada – demonstra a presença do ajustamento criativo saudável. Diante de situações adversas que o Meio apresenta, a capacidade de se reorganizar demonstra flexibilidade. Não temos controle sobre tudo que nos cerca, mas temos a possibilidade de escolher como reagir diante das adversidades. Pessoas rígidas, tem dificuldade de adaptação ao Meio, o que corrobora com o aumento do sofrimento psíquico.
C) Ajustamento Criativo. Cada vez que algo no Meio se apresenta diferente do imaginado pelo sujeito, demanda deste uma ação. Aqui é possível compreender que até mesmo o paralisar pode ser considerado uma ação: ação de não agir. Desta forma, o comportamento subsequente a uma frustração com o Meio, pode indicar a qualidade do ajustamento criativo do sujeito neste momento e diante deste contexto. Na vivencia relatada um ajustamento criativo surgiu diante da adaptação com a fluidez da anilina.
D) “Escolhi usar cores fortes, porque gosto das cores”. “Fui espalhando cada uma a vontade, até estar satisfeita com o resultado”. Autoconhecimento, respeito, fluidez criativa, autonomia e autoconfiança. Destaco estas características emergentes como coadjuvantes na consolidação da identidade do sujeito, neste caso, paciente.
E) Integração. Ao término da atividade, paciente faz contato com sentimento agradável. Confirmação e aceitação. Em seguida retoma a memoria para descrever o processo envolvido na atividade – organiza mentalmente e verbaliza sequencialmente. Contato com a memória (cognitivo) e o produto finalizado. Acionar a memória e conecta com os sentimentos, integra o passado com o presente, a cognição com a emoção, a expectativa com o realizado.
F) Dar-se conta. Após contato com a memória do processo e percepção dos sentimentos envolvidos, observa o trabalho pronto – sua produção. Inicia processo de Des-cobrir. “Ah! Até parece espermatozoide”. Interessante a analogia, visto que o processo de psicoterapia tem uma conotação de vida, e o espermatozoide remete ao início da vida. “O verde aguado (aquarelado) me agrada, parece que dá fundo para a pintura”.
G) Estabilidade. “As cores não estão do mesmo modo que no início, ainda estão mudando, sofrendo interferência do vento, do sol. E provavelmente, até que sequem por completo, ainda haverá mudança”. Compreender que vida é movimento possibilita vive-la de forma genuína. Sem a angústia de “ter que” atender a demanda do mundo. Abrindo mão do “controle” do que incontrolável. Apreciando o momento Presente do Aqui-e-Agora, com a alegria e dor que vier. Não antecipando nem postergando, apenas vivenciando.
São muitas as reflexões que uma atividade expressiva permite explorar. E isto também é incrível. A cada novo olhar, novas possibilidade podem aparecer.
Finalizo com a gratidão de ter sido testemunha ocular deste processo.
* Parte adaptada do discurso da paciente. Relato e produção autorizada por paciente para divulgação de cunho educativo.